O papel social da publicidade
Eu faço parte de um coletivo onde, além de eu já ter sido mais ativa, escrevemos sobre o quanto a publicidade reforça estereótipos racistas e machistas. Um exemplo são as campanhas de cerveja, que entra ano sai ano, mostram mulheres de biquíni. E aí você, jovem universitário, se pergunta: esse título faz sentido? Não é o mercado quem manda em tudo? Que bobagem é essa de papel social da publicidade? Se você, como eu, está no mercado há mais de cinco anos, pode também ter esquecido dele. A gente esquece que ele existe, né? Mas de que servem, afinal, aquelas aulas de ética na graduação?
A verdade é que, por mais que no dia a dia a gente esqueça, a publicidade tem sim um papel social. Não só pelas aulas de ética. Apesar de contar bastante! Mas por que é uma aplicação das ciências sociais. Sabe ali no lattes, que você explica qual o seu campo de pesquisa? Pois então. E se é uma ciência social, tem um papel na sociedade. Que não é só ajudar o patrão a ter lucro. Ou vender mais produtos que não precisamos. A publicidade é um espelho da sociedade. E por isso podemos reclamar se e quando ela é machista ou racista.
Ah, mas que negócio de papel social que nada, eu preciso vender! Sim, verdade. Mas não é só este o objetivo de uma campanha. Você pode reforçar valores da empresa. Fazer um (re)posicionamento de marca. E, especialmente agora com mercados tão competitivos, se diferenciar é fundamental. Estamos cansadas de mulheres nuas ilustrando qualquer tipo de produto. De manter um padrão de corpo inatingível nas revistas voltadas ao público feminino. À fetichização da mulher negra, à invisibilidade dos portadores de deficiências físicas e mentais. De só vermos negros com papéis de vilão ou serviçais.
E quando a publicidade cumpre seu papel social?
Quando, como a campanha que ilustra este post, a propaganda ajuda a vencer preconceitos. É social se preocupar com sustentabilidade e reciclagem. É social ter ações com moradores de rua, crianças com câncer ou doar para a AACD. Mas também é social incluir mulheres trans numa campanha de maquiagem.
Uma campanha muito bacana e com forte posicionamento de marca é da Lush. A venda de um de seus sabonetes terá verba revertida para extinguir a pena de morte nos EUA. Esse é um assunto bastante polêmico por lá e a marca tomou uma posição. Costumamos confundir este tipo de posição, que fala muito mais dos valores e pilares de uma instituição, com outros, como marcas se posicionando sobre situações políticas ou jurídicas que não lhes atinjam diretamente.
Outro modelo interessante é a Netflix. Com a construção de uma brand persona (falarei sobre em breve), os perfis da empresa costumam sim se posicionar politicamente, como parte da estratégia de relacionamento com seus públicos. Veja, como disse antes, não é comentar em assuntos específicos sobre os quais poderia tirar vantagens. Mas se posicionar sobre racismo, consumo consciente, homofobia, diversidade, inclusão social, crise da alimentação. Tudo isso faz da marca humana e mais fácil de amar.
O papel do publicitário
Você, formado ou não em publicidade e propaganda, que trabalha nesse mercado e às vezes se sente mal com o foco no lucro dos que já tem muito, procure um projeto paralelo. Ou mude de vez de emprego rs. A verdade é que os seus conhecimentos de comunicação podem ser aplicados para causas mais nobres. Você pode ajudar uma ong ou projeto social a se colocar melhor nas redes sociais e atrair mais visibilidade. Pode ajudar negócios locais ou desenvolver projetos de melhoria para comunidades.
Uma ótima possibilidade é dar aulas para jovens em situação de risco, em projetos profissionalizantes ou pré-vestibulares, fazer com que mais pessoas tenham acesso e consigam decodificar e interpretar os vários textos que consome. Você pode fazer mais que ajudar empresas grandes a lucrar. Pode ajudar a vencer preconceitos e diminuir estigmas. Só pôr a mão na massa!