Marketing etnográfico – noções de uso
Estou fazendo o curso de Etnografia para Mídias Sociais do IBPAD (com algum atraso, já que a rotina anda tensa e cursos à distância exigem muita disciplina que eu não tenho) e um dos pontos interessantes é a discussão de porque, ou como, usar a etnografia para fins de mercado. Daí há a indicação do texto “Marketing Etnográfico: colocando a etnografia em seu devido lugar“, da Profª. Lívia Barbosa da PUC-Rio. O post é para fazer uma mescla de resumo com reflexões, tentando extrair ao máximo do tema. Abro com uma citação da autora:
A consciência da importância da compreensão da lógica e dos valores atribuídos aos produtos e serviços, aos novos usos que lhes são atribuídos, às práticas a que estão submetidos e como tudo isso pode ser inserido significativamente na completude da vida cotidiana dos consumidores é o que a etnografia tem a oferecer ao marketing. Lívia Barbosa
Resumindo muito, a ideia por trás do marketing etnográfico é esta. Entender quais valores são atribuídos a determinados produtos e serviços, qual a lógica para estas atribuições, quais são as práticas sociais que envolvem o processo de compra. Já venho falando aqui no blog de jornada de compra e buyer persona, let’s face it, desde o começo. A etnografia contribui com a definição das personas, assim como mapeando o processo de compra, ao observar o comportamento do consumidor em seu habitat natural. Mas vamos voltar um pouco e entender o que é etnografia?
A etnografia é o estudo descritivo da cultura de um determinado grupo de pessoas. É uma disciplina a princípio utilizada pela antropologia, mas diversas ciências humanas a utilizam como método de pesquisa. Cultura aqui compreende comportamento e todo o conjunto simbólico e material que compreendem a identidade de um povo ou grupo social. Ou seja, estuda comportamento, crenças, relações e interações entre os atores sociais, costumes, língua e valores simbólicos. O objetivo é não só descrever o que se vê, mas entender a lógica por trás do que se está vendo.
Quais os princípios do marketing etnográfico?
A etnografia tem três princípios base. A pesquisa é baseada no comportamento do público, o pesquisador deve apenas observar. O pesquisador deve presar pela alteridade ou distanciamento do objeto de pesquisa, se despindo de ideias pré-concebidas. O pesquisador vai a campo, analisa o consumidor (ou grupo social) em seu ambiente natural (seja casa, grupo ou rede social). O consumo, aqui, é visto como um meio, ou seja, está a serviço do consumidor enquanto produtor de sentido. São estes sentidos que devemos compreender.
A principal aplicação do marketing etnográfico, como dito anteriormente, é na construção de buyer personas. A metodologia empregada pela pesquisa etnográfica permite analisar o consumidor em sua casa, entender sua lógica e suas necessidades, de acordo com o ponto de vista e critérios daquele que vai comprar. E aqui entra um princípio básico da metodologia: produtos e serviços são avaliados em contexto. Ao contrário do tradicional que pesquisa o produto ou serviço isolado, na etnografia eles são vistos em “uso”. Quais são os valores, o comportamento, as classificações dadas pelo grupo analisado e quais funções adquirem.
Aqui o consumo não se resume à compra, mas todo o processo social que começa na escolha e vai até o descarte do produto ou finalização do serviço. Ou seja, contempla toda a jornada de compra. E por isso a alteridade é tão importante. Ainda que estejamos pesquisando um grupo dentro da nossa sociedade, as categorizações e valorações de serviços e produtos provavelmente não serão as que estamos acostumados. Temos de deixar o conhecido de lado e tratar o grupo como desconhecido. Só assim veremos para além do que temos pré-concebido.
Fazendo marketing entnográfico
O primeiro passo é, justamente, observar como o grupo escolhido classifica os produtos e serviços. A imagem deste post é a Rocinha. Escolhi para exemplificar um comportamento, segundo a autora, comum a pesquisadores. Já leram daquelas reportagens que mostram artistas que são sucesso apenas na Rocinha? Ou ainda que na comunidade grande parte têm tv a cabo e máquina de lavar? É sempre um susto ler esse tipo de reportagem. E é esse tipo de conceito prévio que devemos evitar. Ao invés, ao perceber que muitos têm tv a cabo, tentar entender o valor dado ao serviço. Ao celular, ao aparelho de tv.
Também é preciso, para além de entender as classificações dadas, é entender como elas são apropriadas no fluxo social. Ou seja, para além de compreender os rótulos, entender a lógica por trás deles e o contexto em que são tomados. Voltando à Rocinha, por mais que achemos que os moradores são “pobres”, há hierarquias entre eles. Logo, os que têm tv a cabo, eletrodomésticos e casas com mais de um cômodo não são “pobres” dentro daquele universo. E seu comportamento, de compra inclusive, toma este lugar como ponto de partida.
Um ponto muito importante a se levar em conta: o consumidor é autor e ator de suas escolhas. Não é o sujeito passivo que obedece às campanhas de marketing, nem o sujeito racional que faz escolhas individualmente. O contexto é sempre importante. E ele pode topar ou rejeitar a campanha. Como nos casos de campanhas de cervejas, por exemplo. E é preciso sempre ter em mente que produtos e serviços podem ser ressignificados. No exemplo do texto, quem criou o Bombril não o esperava sendo usado em antenas de tv.
Por fim, temos de lembrar que o consumo não é o fim, mas o meio. Já comentei sobre isso, mas sempre bom frisar. Consumimos com objetivos distintos, que vão de acordo com nosso estilo de vida e forma de classificar e valorar tais produtos ou serviços. Ou seja, ao tentar compreender como um produto ou serviço é consumido, é preciso investigar como ele se insere na rotina de um grupo específico. E daí tirar insights para sua próxima campanha.